Vol. 30 No. 01 (2024): Jan - Jun 2024: Revista Textos e Debates
Imagem: “A descida da pajé Jenipapo do reino das medicinas”, 2021, Acrílica e posca sobre tela, 111 x 160 cm ( Jaider Esbel).
Apresentação Dossiê Revista Textos e Debates: Amazônia(s) e Educação: 20 anos da Lei Federal 10.639/03 e 15 anos da Lei Federal 11.645/08
No ano de 2023 comemoramos os 20 da promulgação da Lei Federal 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura da África e Afro-brasileira na Educação Básica, sobretudo nas disciplinas de História, Artes e Literatura. Em 2008, a lei foi modificada e incluiu-se a História e Cultura dos Povos Indígenas, que resultou na Lei Federal 11.645/2008, que completou 15 anos.
Num momento em que celebramos avanços e a transposição de inúmeros obstáculos na implementação dessas leis, encontramos novas barreiras que visam inibir o desenvolvimento de debates acerca de uma sociedade diversa e plural. Nesse sentido, devemos reforçar a importância da efetiva implementação da legislação relativa às relações étnico-raciais, fruto de lutas dos movimentos sociais, e a necessidade de aprofundamento e espraiamento dos assuntos nelas contemplados em todos os níveis da Educação no Brasil.
Sendo assim, o presente dossiê “Amazônia(s) e Educação: 20 anos da Lei Federal 10.639/03 e 15 anos da Lei Federal 11.645/08” reúne trabalhos de diferentes áreas do conhecimento que abordam a implementação da legislação, incorporando narrativas críticas ao colonialismo e seus impactos na educação ainda nos dias atuais. Este dossiê tem o intuito de contribuir, por meio de debates recentes em torno de desafios do presente, com reflexões embasadas em dimensões éticas, estéticas e culturais de experiências da e na Amazônia brasileira.
Ângela Maria Bastos de Albuquerque analisa os avanços e obstáculos na implementação da Lei Federal 10.639/2003 na Amazônia acreana. Assim, no artigo “Entraves e perspectivas na implementação da lei 10.639/2003 na Amazônia acreana após duas décadas de sua aprovação 2003 a 2023”, a autora apresenta a legislação que se produziu para assegurar a efetividade da implementação da lei, que trata da inclusão da História e Cultura africana e afro-brasileira no currículo da Educação Básica, desde as resoluções do Conselho Nacional de Educação, passando pelas legislações em âmbito estadual e municipal no Acre. Tal análise apresenta como cada passo conquistado na execução eficaz da referida lei, impõem-se obstáculos que intentam refrear sua concretização em diferentes níveis e instâncias.
Ítalo Yves Cavalcante Silva e Jéssica de Almeida no artigo “Pesquisas sobre raça no campo educacional: um olhar para as questões étnico-raciais”, realizam um levantamento de dissertações e teses baseado no dossiê “Mapeamento de pesquisas e estudos com foco em Educação e Raça” (2021), elaborado por João Nganga, que reúne trabalhos acadêmicos de diferentes naturezas. Nesse sentido, os autores do texto partem de uma pesquisa de mestrado em curso, lançando luz sobre práticas docentes pertinentes às relações étnico-raciais, especificamente, com propostas antirracistas. Desse modo, os autores elencam as principais leis posteriores e relativas às Lei Federal 10.639/2003, para construir um desenho de como as práticas docentes se valem de tal legislação para nas suas discussões e elaboração de propostas.
Leandro de Castro Tavares e Joana Bahia, em “Estudos e pesquisas sobre a cultura afro-brasileira a partir da Lei 10.639/2003 e 11.645/2008 na Escola Estadual de Ensino Médio São José em Óbidos/PA”, analisam a insuficiente a aplicação das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008 em uma região com forte presença de povos remanescentes de quilombos. Por outro lado, apresentam caminhos para empreender estudos que contemplem as leis a partir da história e vivências locais.
No artigo “A possibilidade de outros saberes: o ensino de história indígena nas escolas públicas”, Maria Luiza Fernandes e André Augusto da Fonseca trazem um levantamento sobre a implementação da Lei Federal 11.645/2008 nos currículos da Educação Básica e Superior. Tal levantamento aponta para a urgente descolonização dos currículos ou, pelo menos, para uma mirada descolonizada sobre a questão indígena nas escolas e universidades. Os autores ao longo da pesquisa, que está andamento, vislumbram alguns pontos que obstaculizam a efetivação da implementação da lei. Em primeiro lugar, em diálogo com docentes da rede básica, constatou-se que o primeiro empecilho residiria na formação deficitária acerca do assunto e na baixa oferta de materiais didáticos. Além disso, os autores perceberam que a tais motivos somam-se a desimportância do tema nos currículos conferida pelos próprios professores, que permanecem pensando os conteúdos de modo hierarquizado e eurocêntrico.
Em “Museu Virtual na Amazônia: uma proposta de protagonismo das artistas indígenas em Roraima”, Cleane Nascimento, Ananda Machado e Paulo Sérgio Maroti vislumbram uma possibilidade de recurso didático a ser implementado na Educação Básica e Superior sobre Arte, História e Cultura dos povos indígenas. Percorrendo e iluminando diversas trajetórias indígenas e experiências museais virtuais, as autoras apresentam a proposta de construção de um museu virtual dedicado às trajetórias indígenas femininas, sobretudo artistas que se dedicam a uma multiplicidade de manifestações artísticas, da literatura às artes visuais. A proposta comporta para além da emergência de artistas indígenas, um cuidado com a acessibilidade da pessoa com deficiência, sobretudo deficiência visual e auditiva. Tal projeto tem como objetivo trazer à tona os mais diversos aspectos das culturas indígenas evidenciados pelas próprias mulheres indígenas, numa proposta de constituir-se como alternativa ou complemento ao material didático usualmente empregado, viabilizando novos contatos e experiências com as culturas indígenas por parte dos docentes e estudantes de diferentes níveis de escolarização.
No artigo “Jogos indígenas e a lei 11.645/2008: possibilidades para um currículo intercultural”, as autoras Inayara Moraes da Silva, Jairzinho Rabelo e Juli Cristina Dorigon nos brindam com novas possibilidade de atendimento ao que preconiza a lei federal 11.645/2008 com relação à inserção da história e cultura dos povos indígenas no currículo, para além das disciplinas História, Artes e Literatura, mas na Educação Física. As autoras enfatizam como a ludicidade dos jogos indígenas podem contribuir para o desenvolvimento de crianças e adolescentes em idade escolar e, nomeadamente, o enfrentamento à intolerância e o conhecimento mais profundo de novas maneiras de enxergar o mundo.
Eduardo Gomes da Silva Filho propõe uma ressignificação do Ensino de História, ensejada pela promulgação das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008. Assim, em “Reescrevendo a narrativa Histórica: a descolonização do ensino de História através das leis 10.639/03 e 11.645/08”, o autor apresenta como a perspectiva decolonial pode contribuir para uma nova concepção de ensino e aprendizagem. Pois, não basta apenas a inclusão de novos conteúdos ao currículo, faz-se necessário que tais conteúdos participem na transformação de paradigmas educacionais, rompendo com uma educação construída sobre base eurocêntrica e excludente, promovendo, portanto, um ambiente polifônico e de multiplicidade de saberes.
Encerramos nosso dossiê com a entrevista concedida por Circe Bittencourt à Naiara Moreira da Silva, Sérgio Barbosa dos Santos e Marcella Albaine Farias da Costa. Em uma conversa profunda e amistosa, Circe Bittencourt compartilha com os entrevistadores e leitores sua larga experiência sobre o Ensino de História, sobretudo a educação escolar indígena em comunidades indígenas e a Lei Federal 11.645/2008, foco da entrevista. Bittencourt chama a atenção para que o ensino nas escolas indígenas seja fundado na experiência e história indígena, da História Antiga, àquelas que remetem à cosmovisão e mitos fundadores, percorrendo pelo período pré-colonial, passando pela conquista, até a contemporaneidade, sempre atentando para a historicidade e observando as rupturas e permanências. O ponto fulcral é que as comunidades privilegiem sua própria maneira ler o mundo com o auxílio dos mais antigos da comunidade, exercitando também a construção do conhecimento pela oralidade respeitando a ancestralidade, levando em consideração as diferentes conexões e jogos de escalas. Tais premissas contribuem para a concepção de um Ensino de História horizontal que envolva a pluralidade de histórias, perspectivas e sujeitos.
Desejamos uma boa leitura!
Organizadoras: Karla Leandro Rascke (PPGHIST e PROFHISTORIA – UNIFESSPA) e Monalisa Pavonne Oliveira (PPGE e PROFHISTORIA – UFRR).