Vol. 31 Núm. 01 (2025): Jan - Jul 2025: Revista Textos e Debates

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Apresentação do dossiê “Entre luzes e sombras: ditaduras no Brasil contemporâneo e o ensino de História”.

Imagem: Fantasmas da Esperança (2018) – Marcela Cantuária

O século XX se configurou como uma época marcada pelo avanço da tecnologia, a inserção da sociedade na era da informação e numa fase permeada por transformações significativas no âmbito cultural. Ao mesmo tempo, assistiu-se, ao longo de todo esse período, a ascensão de regimes autoritários em diferentes partes do mundo, a exemplo dos fascismos italiano e alemão. No caso do Brasil, duas ditaduras marcaram a história do país no século XX, o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Estes dois governos impactaram a sociedade brasileira de maneiras distintas, dadas as suas especificidades, mas sem deixar de reverberar os efeitos desse momento nas gerações futuras.

No que se refere ao Estado Novo, trata-se de um modelo de regime político marcadamente centralizador, autoritário e nacionalista, que foi instaurado pelo presidente Getúlio Dornelles Vargas em 10 de novembro de 1937. A criação de um Estado forte e “Novo” visava não somente romper com um passado considerado pelos ideólogos estadonovistas como atrasado, mas também promover as mudanças necessárias em todas as esferas da sociedade brasileira dentro de uma lógica voltada para a ordem e o progresso. A Constituição de 1937 deu respaldo legal à política repressiva e à censura promovidas pelo regime, consolidando um período de controle político e ideológico sobre a população.

Exibindo também um perfil autoritário e coercitivo sobre a população, a Ditadura Civil-Militar, instaurada após o golpe de 31 de março de 1964, que depôs o presidente democraticamente eleito João Goulart, assumindo em seu lugar o militar de carreira, Humberto de Alencar Castelo Branco, provocou impactos profundos na sociedade brasileira. Esse regime foi apoiado por diversos setores civis, como empresários, parte da mídia, da Igreja e da classe média, além das próprias Forças Armadas. O pretexto utilizado para justificar a intervenção foi o combate ao comunismo e a necessidade de restaurar a ordem no país, implantando uma ditadura que durou 21 anos, encerrando-se em 1985, com o retorno de um presidente civil ao poder, José Sarney.

Diante disso, a proposta deste dossiê é abordar temas relacionados ao Estado Novo e à Ditadura Civil-Militar, privilegiando aspectos diversos que permearam as duas ditaduras presentes no país durante o século XX. O intuito é aglutinar trabalhos que busquem compreender as características em torno de tais eventos, suas especificidades e potencialidades, focando, dentre outros elementos políticos e culturais encontrados em ambas as realidades, também em possibilidades de estudo relacionadas ao Ensino de História.

Desta feita, o dossiê em questão reuniu pesquisas que analisam essa variedade temática em torno das referidas ditaduras, abordando aspectos como a relação entre Estado Novo e o universo cultural voltado para as canções e o cinema à época, perpassando pelo Ensino de História e suas viabilidades no contexto da Ditadura Civil-Militar, bem como no papel da Igreja durante essa fase, a respeito do surgimento do núcleo político ligado ao partido dos trabalhadores em Sergipe e no que concerne às questões em torno da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos entre 1964-1985.

Sendo assim, o texto de abertura do dossiê “Notas de um Regime: O Estado Novo entre Canções e Cinema”, buscou analisar o uso de filmes e canções como ferramentas de propaganda ideológica utilizadas durante o Estado Novo. As autoras Adriana Mendonça Cunha e Mônica Porto Apenburg Trindade, abordaram, em linhas gerais, como o governo Vargas lançou mão do cinema e das canções populares divulgadas amplamente através do rádio nessa fase, como meio de propagar os valores defendidos pelo regime, especialmente, devido ao alcance destas mídias tanto entre a população letrada quanto entre os analfabetos.

 

Na sequência, o leitor terá a oportunidade de acessar um bloco de trabalhos voltados para a relação entre as décadas traumáticas do regime militar e o Ensino de História. Começamos pelo artigo “A música como ferramenta para o conhecimento histórico dos temas sensíveis: a ditadura militar brasileira e a presença de um trauma coletivo”, tendo como autor Pedro Carvalho Oliveira. O texto propõe discutir as possibilidades de uso da música como documento histórico em sala de aula, procurando trazer à tona temas sensíveis relacionados ao coletivo no contexto do regime militar com o presente vivido. Na mesma linha da música, enquanto objeto de reflexão de um contexto histórico utilizado em sala de aula, Luís Fellipe Fernandes Afonso, em “O BRock no ensino de História”, buscou refletir como o rock brasileiro feito na década de 1980, o BRock, pode ser usado para expandir nossas visões sobre o final da Ditadura Civil Militar no Brasil.

 

Saindo da esfera musical, mas ainda no mesmo bloco Ditadura-Ensino de História, nos deparamos com o texto “O ensino de História e usos de fontes como recursos didáticos”, cujo autor Marcelo Góes Tavares propôs uma didática da História com abordagem sobre o Golpe de 1964, utilizando o documentário “O dia que durou 21 anos” como fonte e recurso audiovisual para um ensino com base em evidências e saberes da ciência histórica. Encerrando esse bloco, o artigo “Currículo em revista: prescrições educacionais para adolescentes durante a ditadura militar (Paraná 1973-1984)”, de Jorge Luiz Zaluski, buscou refletir sobre as expectativas construídas para os adolescentes durante a ditadura militar no estado paranaense, mediante parte das reverberações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O objetivo foi perceber os interesses educacionais, as disputas curriculares e as expectativas construídas em torno dos/as estudantes.

 

Por fim, no último bloco de trabalhos que abordam o período da ditadura civil-militar, encontramos o artigo “Fundadores do PT Sergipano: origem, política de liderança, caminhos trilhados e desafios (1980-1982)”, de Ronaldo de Jesus Nunes, que analisou a gênese do primeiro núcleo do Partido dos Trabalhadores (PT) em Sergipe, tomando como base o discurso de Michel Pêcheux, realizado em 1990. Na sequência, o texto intitulado “Diante da Medusa: a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a construção da vítima da Ditadura civil-militars”, discutiu o surgimento e a atuação da referida Comissão, criada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Os autores Tasso Araújo Brito e Juliana Ferreira Campo Leite investigaram como essas iniciativas de reparação financeira e moral enfrentaram disputas ideológicas e memória seletiva à época. Em conclusão, o artigo “O problema do poder: política e fé em tempos de ditadura no Brasil (1968-1972)”, tendo como autor Adauto Guedes Neto, examinou o posicionamento e atuação de setores do catolicismo, críticos ao conservadorismo interno da igreja no período da ditadura militar brasileira, especialmente entre 1968 e 1972, a partir do que se convencionou denominar o documento Comblin.

 

Acreditamos que refletir sobre o período ditatorial no Brasil se constitui como urgente e necessário diante dos desafios pelos quais a sociedade brasileira tem enfrentado em termos políticos e culturais nessas primeiras décadas do século XXI. É sempre bom lembrarmos que compreender o passado é entendermos também um pouco da nossa própria realidade, do nosso presente.

 

Boa leitura!

Organizadoras: Adriana Mendonça Cunha (Doutora em História pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Membro do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq) e do Grupo de Pesquisa Dimensões do Regime Vargas (UERJ/CNPq) e Mônica Porto Apenburg Trindade (Doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq) e do Laboratório de Pesquisa do Mundo Contemporâneo (Contemporaneus/UFRR/CNPq).

 

Publicado: 28/06/2025

Dossiês

Artigos e Comunicações

  • Uma proposta de ensino crítico e multimodal de língua inglesa

    Alessa Francine Silva
    e8676
    DOI: https://doi.org/10.18227/2317-1448ted.v31i01.8676