Textos e Debates n°22

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https://doi.org/10.18227/2317-1448ted.v2i22.3452

Resumo

O dossiê Sociedade e Fronteiras, publicado pela Revista Textos & Debates é o resultado do esforço conjunto da coordenação do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) e do Comitê Editorial da referida Revista com o intuído de difundir, no âmbito institucional e nas sociedades regional, nacional e global, as pesquisas e os estudos associados às linhas de pesquisa do PPGSOF. Pretende-se, ainda, iniciar, de forma mais sistemática os diálogos sobre Interdisciplinaridade, Fronteiras e Sociedades Amazônicas em publicações que discutam a produção, reprodução e socialização do conhecimento no campo das ciências humanas e sociais e, ao mesmo tempo dar visibilidade ao mestrado Sociedade e Fronteiras, de caráter interdisciplinar, criado em 2011, no âmbito do Centro de Ciências Humanas. Este dossiê, ademais do exposto acima, sintetiza os debates apresentados no I Seminário Internacional Sociedade e Fronteiras, realizado entre os dias 03 e 07 de dezembro de 2012, no Campus do Paricarana, em Boa Vista-Roraima-Brasil. O I Seminário Internacional: As Fronteiras da Interdisciplinaridade e a Interdisciplinaridade das Fronteiras visava articular o debate em torno de categorias complexas como sociedades e fronteiras na Amazônia, daí a centralidade nos temas fronteira e interdisciplinaridade. As complexas relações societárias na Amazônia e, em particular, no estado de Roraima, permitem perceber com clareza que o conceito de fronteira ultrapassa os traços cartográficos dos Estados Nacionais. As fronteiras podem ser soerguidas em função da diversidade de línguas, de etnias, de imaginários coletivos. Existem mesmo territórios que não compartilham a floresta tropical amazônica, como é o caso das savanas, dos cerrados, das bordas litorâneas caribenhas, mas que são compreendidos dentro das fronteiras simbólicas amazônicas em virtude de traços identitários comuns. A riqueza de significações destes dois temas permitiu que as conferências, mesas redondas e grupos de trabalho pudessem abranger os mais diversos campos das ciências humanas, as mais diversas instituições de ensino superior no estado, os profissionais e egressos do estado de Roraima, das Amazônias e fora dela. Sendo assim, o I Seminário Internacional organizou-se, ademais dos grupos de trabalho, a partir de uma Conferência de Abertura, cujo titulo foi “As fronteiras da Interdisciplinaridade e a interdisciplinaridade das Fronteiras”, proferida pelo professor Dr. Carlos G. Zárate Botía, da Universidade Nacional da Colômbia; de três Mesas Redondas, a primeira com o tema: “Os sentidos das fronteiras”, em que participaram os professores Dr. Jose Lindomar Coelho de Albuquerque, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o Dr. Maxim Repetto e o Dr. Américo Alves de Lyra Junior, ambos do PPGSOF/UFRR; a segunda Mesa Redonda intitulada “Sociedade, ambiente e política em regiões de fronteira”, contou com a participação dos professores Dr. Ivo Dittich, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOSTE- Campus de Foz de Iguaçu, Dr. Nelvio Paulo Dutra Santos e Isaias Montanari Junior, do PPGSOF/UFRR e do NECAR/UFRR, respectivamente; a terceira Mesa Redonda intitulada “A interdisciplinaridade nos Programas de Pós-graduação: Desafios e limites” contou com a participação dos coordenadores dos programas Prof. Dr. Marcos Vital Salgado (Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais-PRONAT/UFRR); Prof. Dr. Ivo Dittich (Programa de Pós-graduação: Sociedade, Fronteira e Cultura Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Campus de Foz do Iguaçu); Profa. Dra. Marilene Correa (Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazônia- PPGSCA/UFAM); Profa. Dra. Francilene dos Santos Rodrigues (Programa de Pós-graduação em Sociedade e Fronteiras- PPGSOF/UFRR). A centralidade do debate aqui proposto é a interdisciplinaridade e as fronteiras. Penso que há consenso em considerar, que tanto a palavra interdisciplinaridade como a palavra fronteira são polissêmicas e recobrem um conjunto heterogêneo de experiências, realidades, hipóteses e projetos distintos. No entanto, o debate está posto e não há como dele fugir. Sendo assim, compartilho com Frigotto (2008) a idéia de que é necessário apreender a interdisciplinaridade como uma necessidade e, ao mesmo tempo como problema, seja no plano material histórico-cultural, seja no plano epistemológico. Desta forma, o dossiê Sociedade e Fronteiras apresenta vários textos sobre esses temas, considerando, principalmente, a necessidade do trabalho interdisciplinar na produção e na socialização do conhecimento no campo das ciências humanas e sociais como decorrente do caráter dialético da realidade social e da natureza intersubjetiva de sua apreensão. Sendo assim, temos em primeiro lugar, o texto do antropólogo e professor Dr. Maxim Repetto, intitulado Os Sentidos das Fronteiras na Transdisciplinaridade e na Interculturalidade. Neste texto, Maxim Repetto se propõe a falar do sentido das fronteiras, a partir de dois campos de conhecimentos. O primeiro campo refere-se aos sentidos das fronteiras entre os conhecimentos organizados de forma disciplinar, na ciência ocidental, e o outro, aos sentidos das fronteiras que existem e são construídos entre os povos e seus respectivos conhecimentos. O autor faz, ainda, um debate político sobre o papel da universidade pública em proporcionar não só uma reflexão, mas a prática e o exercício transdisciplinar, bem como a produção de um conhecimento descolonizado ou a descolonização do conhecimento e da mente (PRATT, 1999) que não é uma tarefa fácil, uma vez que “a crítica anticolonial exige uma prática anticolonial” (CUSICANQUI, 2006 apud REPETTO). Assim sendo, o autor se propõe a discutir os sentidos das fronteiras implícitos no conceito de transdisciplinaridade e o de interculturalidade. Um dos aspectos interessantes do texto de Repetto é o uso do termo transdisciplinaridade e não interdisciplinaridade para marcar a idéia de superação dos limites disciplinares. Para ele, a interdisciplinaridade, marcada pela preposição “inter”, denota relação entre campos de conhecimentos, enquanto transdisciplinaridade, ou melhor, a preposição “trans” denota um sentido de ir para “além dos limites” das disciplinas. Ele apresenta a sua experiência no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, cuja proposta pedagógica do Curso Licenciatura Intercultural é, assumidamente, transdisciplinar e intercultural. Repetto chama a atenção para o fato dos trabalhos acadêmicos (monografias, dissertações, teses) serem, em geral, bem formalistas e disfarçados de interdisciplinaridade, sem uma reflexão de fundo sobre o conhecimento, a forma de construir temas de estudos transdisciplinares e mesmo sobre o que são esses sujeitos transdisciplinares. Para o autor, interculturalidade é definida como um “processo de diálogo entre culturas”, no entanto, requer que se aprofunde e amplie essa definição. Isso porque, se, por um lado, “o diálogo entre culturas não se refere apenas à capacidade de ouvir e falar, mas, sobretudo, de refletir e pensar, por outro lado, não garante a construção de novas formas de convívio numa sociedade mais justa”, ao mesmo tempo em que a utilização do termo “intercultural” não garante um processo educativo mais participativo e menos alienante que supere os conflitos sociais. Por fim, para Repetto, a “universidade tem a obrigação de construir uma perspectiva intercultural e transdisciplinar que permita desconstruir as relações de discriminação”, para assim, gerar espaços de reconhecimento em contextos assimétricos. Já o texto do lingüista professor Ivo Jose Dittrich, como ele mesmo diz, “não se inscreve nas configurações convencionais das publicações, mas situa-se nas fronteiras entre artigo científico, ensaio, relato de experiência e similares”. Daí a riqueza do seu texto que nos obriga a pensar a produção e divulgação do conhecimento a partir de uma mescla de vários métodos e gêneros literários. “Apresentação, representação e metaforização das fronteiras: reflexões interdisciplinares” trata das dimensões antropológicas, históricas, econômicas, políticas e jurídicas das fronteiras, bem como as razões que as tornam cenários tão complexos, quer por sua configuração multifacetada, quer pelos modos como é representada e metaforizada. As metáforas “da” e “sobre” a fronteira, segundo Dittrich, “constituem expressão das representações incorporadas a partir de apresentações mediatas e mediadas, portanto, mostram-se metodologicamente relevantes como pontos de partida para compreender a complexidade das fronteiras”. Desta forma, o autor aborda algumas dimensões da fronteira. Uma delas é o aspecto ontológico da fronteira, ou seja, “aquelas características que se situam na materialidade comum às diferentes fronteiras”. Ou melhor, a apresentação ou o conjunto dos aspectos que a fronteira apresentaria em sua existência própria ou em como é editada pelos interlocutores na interação social. Outra dimensão abordada pelo autor diz respeito às “diferentes concepções ou representações que os sujeitos sociais constroem sobre elas com base nas suas expectativas, experiências ou interações sociais”. Por fim, as metáforas como expressão das duas instâncias ou dimensões (apresentação-representação) do processo de construção do conhecimento e, por conseguinte, das bases para a comunicação social. É evidente que essas dimensões não estão separadas, a não ser por razões de ordem didática, visto que se sobrepõem, integram e, mesmo, retroalimentam, ou seja, as próprias metáforas alimentam as apresentações e representações. O texto do sociólogo José Lindomar C. Albuquerque Fronteiras múltiplas e paradoxais, explora não só os aspectos da polissemia da palavra fronteira, mas as distintas e paradoxais narrativas sobre as fronteiras. Para o autor, a pluralidade destas narrativas decorre, em parte, das diferentes perspectivas e posicionamentos nacionais, que constroem “olhares cruzados para os vários lados das fronteiras”. Um segundo aspecto diz respeito à pluralidade de esferas sociais que são ao mesmo tempo econômicas, políticas, sociais, culturais e simbólicas. Um terceiro aspecto desta pluralidade das narrativas, diz respeito aos diversos atores sociais existentes nas zonas de fronteiras com seus diversos marcadores de diferença (classe, etnia, gênero, geração, nação). Lindomar Albuquerque enfatiza em seu texto, os paradoxos das fronteiras, ou seja, “as complexas relações estatais, nacionais e sociais que se apresentam nessas áreas de fronteiras internacionais”. Para o autor, ainda, essas experiências e narrativas de fronteiras produzem uma riqueza de “novos significados de fronteiras por meio das metáforas” que podem ocasionar “uma espécie de inflação do uso do termo para as mais variadas situações sociais”, ou seja, “no limite tudo é fronteira”. A conclusão a que chega o autor, entre outras, é a necessidade de recuperarmos velhos conceitos e “imaginar novas noções que possam traduzir em palavras essas complexas relações de identidades e alteridades que movimentam os territórios entre os Estados nacionais”. O texto do sociólogo colombiano Carlos G. Zárate Botía, intitulado La frontera amazónica de Colombia, Brasil y Perú después del conflicto de 1932, explora as relações políticas de fronteira implementadas pela Colômbia, Brasil e Peru, após os conflitos ocorridos entre Colômbia e Peru, em 1932, 1934 e 1945 e seus impactos nas regiões fronteiriças. O conflito de 1932 entre Colômbia e Peru foi o resultado da implementação do Tratado Lozano-Salomón que consistia na entrega do chamado trapézio amazônico à Colômbia e, posteriormente, a tomada de Letícia. O autor aborda as mudanças ocorridas na política de fronteira por parte do Brasil e da Colômbia, principalmente, durante o segundo ciclo da Borracha e após a Segunda Guerra Mundial que teve a hegemonia dos EUA. Analisa, ainda, a política de cooperação fronteiriça entre esses países na qual a essência é, predominantemente, militarizada e orientada pela lógica de defesa e segurança nacional nestas zonas fronteiriças, a despeito de outras possibilidades de intervenção estatal. O texto Fronteiras internas da América do Sul: reflexões preliminares sobre o Estado peruano na configuração do imediato Pós-Guerra Fria, do historiador Américo Alves de Lyra Junior, percorre um caminho que nos leva a compreender o processo no qual foram gestados os temas das agendas do século XXI, em particular às relativas às fronteiras internas da América do Sul, compreendidas aqui como fronteiras políticas e a partir do desenvolvimento dos “Estados modernos e sua readaptação nas crises originadas no final da década de 1960, aprofundadas ao longo das décadas seguintes e que atingiram o começo dos anos 1990 com a derrocada do socialismo real e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS”. Lyra Junior apresenta seu texto em duas partes: a primeira aborda as alterações e rupturas da ordem bipolar em perspectiva internacional para compreender a gestação de problemas e temas próprios do século XXI. Nesta primeira parte, o período analisado é aquele que, segundo o autor, “na historiografia tradicional das Histórias das Relações Internacionais se convencionou denominar de Détente, ou maior flexibilidade nas relações entre Estados Unidos e União Soviética, o período compreendido entre 1969 e 1979”. Na segunda parte, aborda o debate sobre a inserção da América do Sul e o desenvolvimento dos Estados modernos, em especial o Peru, neste contexto da emergência de outra ordem internacional baseada em uma diversidade de interesses, principalmente, no campo econômico. Segundo Lyra Junior o processo de adequações sul-americanas às mudanças políticas no interior desta nova ordem do sistema internacional se fundaram na concepção de que a América do Sul foi uma região de baixo nível de tensão política e as relações internacionais da região não tiveram caráter ideológico, ademais de predominar a “vocação integracionista própria de uma tradição ibero-americana”. As crises que se seguiram na região e que levaram ao processo de democratização decorreram, em parte, do aprofundamento das desigualdades sociais e da incapacidade dos Estados em solucionar graves problemas sociais. No entanto, segundo o autor, “o desenvolvimento do Estado moderno na América do Sul promoveu mudanças estruturais significativas na realidade política e social de suas populações” forjadas pela necessidade dos Estados de articular as categorias: igualdade social, educação e cidadania. Por fim, para Lyra Junior, só se pode compreender o sentido de “fronteiras internas” da América do Sul a partir da observação do desenvolvimento internacional e do processo de realização dos Estados modernos sul-americanos, entendido aqui, com base na reflexão de Whitehead (2009, p. 28, apud Lyra Junior,), “para quem os Estados são modernos somente quando articulam, e com eficiência, as categorias de administração do povo, controle dos recursos e territorialidade”. O texto de Nelvio Paulo Dutra Santos, historiador e doutor em Desenvolvimento Sustentável, intitulado Sociedade, ambiente e fronteira na Amazônia: alguns tópicos históricos e políticos, aborda as relações entre as categorias sociedade, ambiente e fronteira na Amazônia, principalmente, sob a ótica da evolução político-administrativa, desde os tempos coloniais até os tempos mais recentes. A concepção de fronteira amazônica abordada pelo autor não se restringe ao caráter histórico de fornecedora de recursos naturais ou de um espaço delimitado pelo Estado Nacional, mas, principalmente por seus habitantes tradicionais construtores do espaço amazônico. Neste artigo, o professor Nelvio Santos traça um histórico e analisa os processos pelos quais esses habitantes foram incorporados – ou não - em projetos do Estado Nacional no atendimento de demandas externas, bem como a economia e a política na Amazônia se sobrepuseram a povos e ao ambiente e moldaram a vida no espaço Amazônico. Já o texto de Isaias Montanari Junior, professor de direito e doutor Relações Internacionais com ênfase em Desenvolvimento Regional da Amazônia, intitulado Impacto do PPTAL na demarcação de Terras Indígenas na Amazônia Legal, aborda aspectos políticos do PPG7 – Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, um programa financiado pelos sete mais ricos países com o objetivo de proteger a maior floresta tropical do mundo. No contexto do período de execução do PPTAL os impactos na demarcação das terras indígenas foram extremamente positivos, uma vez que criaram a necessidade de regularizar fundiariamente essas terras. Sendo assim, o tema central do artigo de Montanari Junior é o direito dos povos indígenas à ocupação de suas terras tradicionais, cujas bases encontram-se assentadas nas legislações mais antigas, desde os tempos dos colonizadores portugueses, passando por várias constituições brasileiras até a atual, promulgada em 1988, mas, de fato, somente efetivada com o aporte dos recursos do PPTAL. Em um primeiro momento, o autor apresenta as bases jurídicas da política indigenista brasileira; no segundo, aponta os elementos que subsidiaram a definição das Terras Indígenas na Constituição Federal de 1988; em um terceiro momento, aborda o PPTAL como instrumentalização da política territorial indigenista brasileira e os impactos do mesmo na política demarcatória. O texto de Montanari Junior, por seu caráter histórico e analítico, permite ao leitor entender o processo de realização e pagamento de uma divida social do Brasil para com os povos indígenas, em especial, da Amazônia. Por fim, o autor conclui que “o fundamento originário do direito do índio à terra esta centrado no desenvolvimento dos conceitos de tradicionalidade, originariedade e ocupação permanente“ e, justamente estes fundamentos foram essenciais para a política indigenista territorial do Brasil. No entanto, ainda mais determinante para as demarcações da T.I foram os recursos, o conhecimento e a metodologia da cooperação internacional, principalmente do PPTAL, que com seus “componentes externos, foi imprescindível para que os direitos indígenas relativos às terras se efetivassem ou que quase a totalidade das terras indígenas alcançassem a regularização ou estejam em vias de ser”. Esperamos assim, que o debate aqui iniciado seja profícuo e suscite outros temas tão instigantes como estes e que nos possibilite reflexões não apenas epistemológicas, mas também políticas e permeadas por uma verdadeira práxis.

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Publicado

10/05/2016

Como Citar

COMPLETA, R. Textos e Debates n°22. Textos e Debates, [S. l.], v. 2, n. 22, 2016. DOI: 10.18227/2317-1448ted.v2i22.3452. Disponível em: http://revista.ufrr.br/textosedebates/article/view/3452. Acesso em: 28 mar. 2024.

Edição

Seção

Revista Completa